15 de setembro de 2011

Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade: "A poesia é incomunicável"
Raffaella Bortolotto - A Gazeta da Casa, Ano IV, Junho de 2011

Alguns anos vivi em Itabira/Principalmente nasci em Itabira/ Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.” Assim se retratava Carlos Drummond de Andrade na primeira estrofe do seu poema Confidência do Itabirano. Em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, é que ele nasceu em 31 de outubro de 1902. Formou-se em farmácia na cidade de Ouro Preto, foi funcionário público durante a maior parte da sua vida, mas fez da literatura a sua profissão. Em 1925 fundou “A Revista”, com Emílio Moura e outros companheiros, para divulgar o modernismo no Brasil.
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Carlos Drummond de Andrade

Poeta, contista, cronista, Drummond foi o primeiro grande poeta a se afirmar após os modernistas, dos quais herdou a liberdade linguística, o verso e o metro livre, as temáticas cotidianas. Segundo o crítico literário Alfredo Bosi, “a obra de Drummond alcança um coeficiente de solidão que o desprende do próprio solo da História, levando o leitor a uma atitude livre de referências, ou de marcas ideológicas, ou prospectivas”. Muitos poemas de Drummond denunciam a opressão que marcou o período da Segunda Guerra Mundial. A consciência do difícil momento histórico produz certa indagação filosófica sobre o sentido da vida, pergunta para a qual o poeta só encontra uma resposta pessimista.

Na poesia de Drummond o passado ressurge muitas vezes e sempre como antítese para uma realidade presente. Se nos primeiros livros a ironia predominava na observação desse passado, mais tarde o que vale são as impressões gravadas na memória. Drummond é considerado o poeta mais influente da literatura brasileira do seu tempo, o mais completo poeta brasileiro moderno, tendo também publicado diversos livros em prosa.

Protagonistas da sua obra são a vida e os acontecimentos do mundo a partir dos problemas pessoais, em versos que ora focalizam o indivíduo, a terra natal, a família e os amigos, ora os embates sociais, o questionamento da existência, e a própria poesia. Aqui embaixo, No meio do caminho, o poema-escândalo publicado pela primeira vez na Revista de Antropofagia, em 1928. Os críticos da época diziam que aquilo não era poesia, eles se sentiam provocados pela repetição do poema e pelo “tinha uma pedra” em lugar de “havia uma pedra”.




No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.


Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida das minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

 

Em Revista de Antropofagia, 1928
Incluido em Alguma poesia (1930)




4 de setembro de 2011

Aluísio Azevedo

O Cortiço de Aluísio Azevedo e a estética naturalista
Raffaella Bortolotto - A Gazeta da Casa, Ano IV, Abril de 2011


O escritor nordestino Aluísio Azevedo (São Luís do Maranhão, 14 de abril de 1875), influenciado pelos narradores naturalistas europeus, entre os quais Émile Zola, inaugurou a estética do naturalismo no Brasil com seu romance “O Mulato” (1881). Em 1884 ele publicou “Casa de Pensão” e em 1890 “O Cortiço”, romance considerado peça-chave para entender o Brasil do século XIX, que relata a vida dos moradores de um cortiço no bairro de Botafogo no Rio de Janeiro. Precursor das favelas, ali viviam os humildes, os excluídos, aqueles que não se misturavam com a burguesia, um conjunto de raças em um mesmo lugar que desembocava na promiscuidade e na completa degradação humana.


A obra é narrada em terceira pessoa, com narrador onisciente, típico do movimento naturalista: ele entra no pensamento dos personagens, tenta comprovar, como un cientista, as influências do meio, da raça e do momento histórico. Há dois espaços: o cortiço, que retrata a mistura de raças e a promiscuidade das classes baixas, e o sobrado aristocrático, que representa a burguesia ascendente do século XIX.

Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas [...]” (capítulo III).


O livro narra a saga de João Romão, o dono do cortiço. Ele tem uma amante, a escrava Bertoleza, que o ajuda trabalhando de sol a sol, sem descanso. O seu oponente, Miranda, um comerciante bem estabelecido que possui uma condição social mais elevada, cria uma disputa com ele por uma braça de terra que deseja comprar para ampliar seu quintal. Não haverá consenso e, portanto, um rompimento temporário das relações entre os dois. Certo dia, Miranda recebe o título de barão e passa a ter superioridade garantida sobre João, que, para imitar as conquistas do rival, promove várias mudanças na estalagem e consegue que adquira um ar aristocrático. Assim, o cortiço todo muda e perde o caráter desorganizado e miserável que tinha para se transformar na Vila João Romão.

Aí então, o dono do cortiço pede a mão da filha do Miranda em casamento. Bertoleza, que percebe a vontade de Romão para se livrar dela, exige curtir os bens acumulados ao seu lado. Daí que ele, que vê como seus planos de ascensão social são atrapalhados, denuncia-a a seus donos como escrava fugida. Assim, a moça, em um gesto de desespero...

A crítica considera O Cortiço” não somente um romance naturalista, mas também uma alegoria do Brasil pelo fato de ele mostrar essa situação de capitalismo incipiente onde o explorador vivia muito perto do explorado: João Romão junto aos pobres moradores do cortiço, o burguês Miranda em seu palacete com ares aritocráticos.

A atualidade de Aluísio Azevedo está no fato de ele apresentar questões como a grande desigualdade social. Na opinião do crítico Alfredo Bosi, nele “a natureza humana afigura-se-lhe uma certa selvageria onde os fortes comem os fracos”.

O romance começa assim:

"João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhara nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda com o que estava dentro, como ainda um conto e quinhentos em dinheiro [...]”

Fiquem animados, continuem lendo!