10 de dezembro de 2012

João Ubaldo Ribeiro


JOÃO UBALDO RIBEIRO: "A PALAVRA É MUITO PODEROSA"
Raffaella Bortolotto - A Gazeta da Casa, Ano V, Dezembro de 2012


Na tarde de 26 de outubro, o auditório da Casa do Brasil em Madri está lotado, um público expectante aguarda a chegada iminente do famoso escritor baiano. E é aí, entre o murmúrio da sala, que ele aparece, de sorriso amplo no rosto e passo seguro. Usa uma simples camisa xadrez cinza, a mesma cor do seu bigode experiente, e óculos espessos. Acomoda-se à vontade, bem disposto a puxar conversa com a gente.
 
  João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro  nasceu em Itaparica, em 23 de janeiro de 1941. Escritor, jornalista, roteirista e professor, ele é formado em Direito e é membro da Academia Brasileira de Letras. Seus principais romances são Sargento Getúlio, Viva o Povo Brasileiro e O Sorriso do Lagarto, no qual expressa aspectos políticos e sociais da vida nordestina e brasileira. Em 2008 ganhou o Prêmio Camões, a maior premiação para autores de língua portuguesa.
 
Ele nos confessa que nem se reputa um homem de letras, pois não se interessa pela literatura, e acha que cada livro pertence ao leitor, como toda obra de arte a quem a contempla. Gosta é de ser um contador de histórias e se considera um narrador da tradição de cordel e outros hábitos orais do Nordeste. Conta-nos que conhece é Itaparica, portanto  pode descrever a realidade da ilha, e é por isso que a maioria das suas histórias acontecem lá. Também escreve crônica de jornal, aliás, o seu primeiro emprego foi aos 17 anos como jornalista.
 
Aprofundando na conversa, João nos revela que na sua opinião a consciência  humana deforma a realidade: a história é uma, mas pode ser contada de várias formas, a mesma sucessão de acontecimentos pode ser narrada de maneira infinita.
Afirma que há vários tipos de criador literário: o que faz um esquema do romance, o que escreve "andando" e o que, como Jorge Amado e ele, não sabe de onde é que a ideia vem, nem quando ela nasceu. Portanto, para ele a escolha do tema dificilmente é intencional.
 
Evidenciando o seu sutil senso do humor, sustenta que escrever por encomenda é quase uma forma de prostituição da escritura e que nesse caso a grande fonte de inspiração é o cheque.
 
O nosso escritor conclui querendo desmitificar a ideia que o artista em geral seja uma pessoa que fica em casa esperando a sugestão das musas, pois isso, segundo ele, não é verdade.
 
João Ubaldo despede-se do seus entusiasmados fãs afirmando que só pode acreditar na palavra, cuja força acha muito poderosa.
 
 
 

12 de junho de 2012

Caio Fernando Abreu

CAIO FERNANDO ABREU: "A VIDA, APESAR DE BRUTA, É MEIO MÁGICA"
Raffaella Bortolotto - A Gazeta da Casa, Ano V, Junho de 2012


Contista, romancista, dramaturgo, Caio Fernando Loureiro de Abreu (Santiago do Boqueirão, RS, 1948 - Porto Alegre, RS, 1996) inicia os cursos de Letras e Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas abandona ambos para trabalhar como jornalista, sendo essa atividade a sua principal fonte de subsistência, com a qual mistura a carreira literária. Em 1968 transfere-se  para São Paulo, após ser selecionado, em concurso nacional, para compor a primeira redação da revista Veja. No ano seguinte, perseguido pela ditadura militar, refugia-se na chácara da escritora Hilda Hilst, em Campinas, São Paulo. A partir daí passa a levar uma vida errante no Brasil e no exterior. Fascinado pela contracultura, viaja pela Europa de mochila nas costas, vive em comunidade, lava pratos em Estocolmo, e considera a possibilidade de viver de artesanato em uma praça de Ipanema. Na década de 1980, escreve para algumas revistas e torna-se editor do semanário Leia Livros. Em 1990, Abreu vai a Londres lançar a tradução inglesa de Os Dragões Não Conhecem o Paraíso (1988). Quatro anos depois, em 1994, ele vai para a França a convite da Maison des Écrivains Étrangers et des Traducteurs de Saint Nazaire, onde escreve a novela Bien Loin de Marienbad. Em setembro do mesmo ano escreve em sua coluna semanal, no jornal O Estado de S. Paulo, uma série de três cartas denominadas Cartas para Além do Muro, onde declara ser portador do vírus HIV.

À medida que sua produção se desenvolve, a identificação não se faz mais com a geração dos anos 60-70, mas é designado porta-voz daqueles que se sentem sufocados em uma sociedade massificadora e alienante, independente de uma filosofia de grupo. Ele é o escritor que fala da falência dos sonhos, mas principalmente da inadequação e do vazio das pessoas no cenário das grandes cidades: "De repente, estou só. Dentro do parque, dentro do bairro, dentro da cidade, dentro do estado, dentro do país, dentro do continente, dentro do hemisfério, do planeta, do sistema solar, da galáxia — dentro do universo, eu estou só. De repente. Com a mesma intensidade estou em mim." Na obra, é nítido o tema da constante busca por algo capaz de dar sentido à vida, pela possibilidade de  descobrir uma forma de realização pessoal que supere o esmagamento dos sonhos.

Assim, Caio lida com temas universais e permanentes, inerentes aos questionamentos mais profundos do ser humano, e transcendentes às circunstâncias sócio-históricas: "Eu sei que dói. É horrível. Eu sei que parece que você não vai aguentar, mas aguenta. Sei que parece que vai explodir, mas não explode. Sei que dá vontade de abrir um zíper nas costas e sair do corpo porque dentro da gente, nesse momento, não é um bom lugar para se estar."


Em cima, Caio Fernando Abreu, jornalista, contista, dramaturgo. E poeta:

"Vem, antes que eu me vá, antes que seja tarde demais. Vem, que eu não tenho ninguém e te quero junto a mim. Vem, que eu te ensinarei a voar."




11 de abril de 2012

Cecília Meireles

O sentir lírico de Cecília Meireles: "Eu canto porque o instante existe."
Raffaella Bortolotto - A Gazeta da Casa, Ano V, Abril de 2012


Cecília Meireles
Poetisa, professora, pedagoga e jornalista, Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 - 9 de novembro de 1964) é uma das vozes líricas mais importantes das literaturas em língua portuguesa.

Como ela mesma conta, a sua infância foi marcada pela dor e pela solidão, pois perdeu a mãe com apenas três anos de idade e o pai morreu antes do seu nascimento: "Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. [...] Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida."

Cecilia cursou a Escola Normal, formou-se professora, e com apenas 18 anos de idade, no ano de 1919, publicou seu primeiro livro, Espectro (vários poemas de caráter simbolista). Embora fosse o auge do Modernismo, a jovem poetisa foi fortemente influenciada pelo movimento literário simbolista. Em 1923 publicou Nunca Mais… e Poema dos Poemas, e em 1925 Baladas para El-Rei.

Cecília Meireles ecreveu várias obras na área de literatura infantil como, por exemplo, O cavalinho branco, Colar de Carolina, Sonhos de menina, O menino azul, entre outros. Estes poemas infantis são marcados pela musicalidade, uma das principais características da sua poesia. Sua formação como professora e seu interesse pela educação levou-a a fundar, em 1934, a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro. Em 1939 publicou o livro Viagem. A beleza das poesias trouxe-lhe um grande reconhecimento dos leitores e dos acadêmicos da área de literatura. Com este livro, ganhou o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras.

Na sua poesia ela plasma o amor, a natureza, o infinito, a criação artística, seu sentir da fugacidade da vida: "Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade."

 


Motivo


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
não sei, não sei.
Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.