Raffaella Bortolotto - A Gazeta da Casa, Ano IX, Junho de 2016
O
português falado no Brasil tem muitas palavras de origem africana que chegaram
junto com a vinda dos escravos desse continente a partir do século XVI. Eles foram extraídos
de duas regiões
subsaarianas : a região bantu, situada ao longo da extensão sul da linha do
equador, e a região oeste-africana ou sudanesa, que abrange territórios que vão
do Senegal à Nigéria. O povo Bantu foi um dos primeiros a fazer a viagem no tráfico transatlântico. Por
isso a variedade de termos de origem africana que há no diccionário brasileiro provém
sobretudo do grupo bantu, que compreende
a família linguística Níger-Congo
com as línguas quicongo (o quicongo é falado na República Popular do Congo), quimbundo ( o quimbundo é a língua da região central de
Angola), e umbundo ( umbundo é falado no sul de Angola e em Zâmbia).
Palavras como abadá, caçamba, cachaça, cachimbo, caçula, canga, carimbo, caxumba,
cochilar, corcunda, fubá, macaco, maconha, macumba, marimbondo, moleque, tanga,
xingar, banguela, babaca, batuque, berimbau, bunda, samba, cafundó, quilombo,
zumbi... de lá é que provêm.
No entanto, as interferências nem só se dão
no léxico, senão também na morfologia
e na sintaxe, com a simplificação e
redução das flexões. Essa característica
pode ser observada principalmente na linguagem popular, nessa parte da
população em que as pessoas raramente utilizam as desinências de plural, que
tendem a se restringir ao primeiro
determinante da frase: “As primas já
chegaro”; “Esses menino são
endiabrado”
Também
nas línguas africanas não há o conhecimento da separação por gênero como em português
a/o (bonito/bonita), o que pode
contribuir para explicar a volubilidade de gêneros nos nomes
(“minha senhor”) que se observa na fala popular. Além disso, outro
importante fato a ter em consideração é a interferência
na pronúncia: a inclinação do falante brasileiro em omitir a última
consoante das palavras ou transformá-las
em vogais ( “falá”, “dizê”, “dirigî”, “Brasiu”)
coincide com a estrutura silábica das em
bantu, que nunca terminam em consoante.
Na
estrutura silábica dessas línguas africanas também não há o encontro
consonantal, como ocorre na linguagem popular brasileira. Há a tendência de
desfazer esse encontro e fazer uma nova sílaba ao se colocar uma vogal entre
elas: sarava (salvar), fulô (flor), etc.
Ainda, é considerada como de origem africana a semivocalização do "l" palatal ("lh"), que se observa na pronúncia popular em algumas regiões do Brasil: muyé por mulher; fiyo por filho; paya por palha.
Ainda, é considerada como de origem africana a semivocalização do "l" palatal ("lh"), que se observa na pronúncia popular em algumas regiões do Brasil: muyé por mulher; fiyo por filho; paya por palha.
É bem certo que o português falado no Brasil herdou muitos vocábulos das línguas africanas. Mas também poucos, considerando o total deles, sendo que desses que chegaram até nós, a grande maioria está relacionada ao trivial, palavras em relação à religião deles, à culinária ou qualquer outro assunto referente ao ordinário. Portanto, essa mesma cultura não foi tão incisiva assim nos termos de vocabulário. Na verdade, tendo em vista os aspectos observados, onde a influência africana se dá principalmente é na tendência à simplificação. Aliás, a sua grande contribuição está mesmo na oralidade, numa fala mais aberta e com mais curvas, o que a faz dissociar consideravelmente do português de Portugal.