18 de julho de 2011

Clarice Lispector

Clarice Lispector: "A palavra é o mio domínio sobre o mundo"
Raffaella Bortolotto - A Gazeta da Casa, Ano III, Março de 2010


Clarice Lispector
Minha viagem pelas letras portuguesas torna-se fascínio nas páginas da obra de Clarice Lispector (1920-1977), a prodigiosa escritora brasileira que, segundo suas próprias palavras, fez da língua de Camões a sua vida interior, o seu pensamento mais íntimo.

Nem lembro como cheguei a ela, acho que foi ela que veio a mim:


Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. [...] Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].

É o pensamento de fundo que rende universal um trabalho literário de não fácil leitura, mas extraordinariamente empolgante.


Que maravilha encontrar-se com ela entre suas linhas! Quanta paixão, sentimento, vida ela transmite na elegância do seu falar sem dizer, no seu sugerir, no seu sussurrar. O tempo, o silêncio, a linguagem: ler Clarice Lispector é se apaixonar por uma escritura rica de uma espécie de magia. Parece-me que ela está sentada ao meu lado enquanto leio, que folheia comigo as páginas dos seus livros, em silêncio, discretamente. Acho a dela uma prosa altamente poética que leva o leitor a sentir o que ela escreve, usando a intimidade de quem está contando uma história mais do que a escrevendo. O que é subjetivo é o reflexo de uma realidade profunda que leva para a essência da existência.

Ela dizia criar de modo intuitivo, quando escrevia tudo partia de uma sensação inicial sem saber se teria estrutura para transformar-se numa obra: “O processo de escrever é feito de erros - a maioria essenciais - de coragem e preguiça, desespero e esperança, de vegetativa atenção, de sentimento constante [...].


Coerente, presente, aguda, sensível, irônica, sutil, universal: genial. Com sua rara profundidade de olhar, Clarice plasma nos seus textos impressões da realidade, visões de momentos da vida quotidiana aparentemente simples, mas que escondem algo detrás do circunstancial. Através das suas personagens, ela tenta explicar a condição da mulher e de qualquer outro ser humano numa sociedade onde prevalece o afã pela posse e a incapacidade para dialogarmos.



Esta excepcional narradora faz da literatura um veículo de imagens, sentimentos, ideias, um universo de sensações em que ela procura se encontrar consigo, uma pesquisa acerca da complexidade de ser, onde ela topa com a dificuldade de se comunicar com os outros:
Minha alma tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros [...].

 É um sentir que lembra a angústia dos existencialistas, ainda que ela afirmasse que a sua náusea era diferente da de Sartre, era a náusea do corpo todo, da alma total”. O nosso destino é a aceptação da condição de seres humanos e a renúncia à busca de um sentido.

Clarice Lispector, um mistério para si própria, um “coração batendo no mundo” que escrevia para se manter viva, para sentir a sua alma “falando e cantando, às vezes chorando”. E pensava escrever até que ela tivesse perguntas e não houvesse respostas. Porque a palavra era o seu domínio sobre o mundo.





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