16 de julho de 2011

Mia Couto


Mia Couto: Jorge Amado, o escritor brasileiro que fez os africanos sonharem em casa
Raffaella Bortolotto - A Gazeta da Casa, Ano III, Fevereiro de 2010


Folheando a publicação mais recente do moçambicano Mia Couto (Beira, 1955), E se Obama fosse africano? e outras interinvenções, um conjunto de palestras em encontros públicos dos últimos anos em que ele reflete sobre temas que vão da política à literatura, topamos com

“Sonhar em casa”, resultado da intervenção que teve lugar em São Paulo em 2008, em que o escritor fala da importância da influência de Jorge Amado na gênese da literatura dos países africanos de língua portuguesa. Nestas páginas, ele afirma que se bem é certo que Gregório Mattos e Tomas Gonzaga ajudaram a criar os primeiros núcleos literários em Angola e Moçambique, quem deixou marcas profundas e duradouras na literatura desses países foi o escritor baiano.


A partir dos anos 50 até a década dos 70, os livros de Jorge Amado causaram um grande impacto no imaginário coletivo dos africanos. Por que tanto fascínio por este autor brasileiro?, Mia Couto se pergunta.


Segundo ele, à parte a qualidade do texto, Jorge Amado soube tratar a literatura na dose correta, pois “pior que não escrever um livro é escrevê-lo demasiadamente”, e soube permanecer um excelente contador de histórias e um extraordinário criador de personagens. Além do mais, ele nunca deixou de ser um poeta do romance: na sua conversa íntima, as personagens saem da página e entram na vida quotidiana do leitor. É uma conversa “à sombra de uma varanda que começa em Salvador da Bahia e se estende para além do Atlântico”, diz Couto. E acrescenta que suas personagens são gente pobre, gente com os nomes deles, gente com suas raças, vizinhos “não de um lugar, mas da nossa própria vida”. Os espaços são os terreiros onde os africanos falam com os deuses; o cheiro é o da sua comida; a sensualidade, a das suas mulheres.


Nos seus livros, Jorge Amado escrevia um país, o Brasil, “tão cheio de África, tão cheio da nossa língua e da nossa religiosidade”, um país que voltava para África, um “espaço mágico onde nós renascíamos criadores de histórias e produtores de felicidade”.


No entanto, à parte as razões literárias, existem outros motivos que explicam por que Jorge Amado é tão querido nos países africanos lusófonos. Num regime de ditadura colonial, os poetas nacionalistas moçambicanos e angolanos ergueram Amado como uma bandeira. Os africanos precisavam de um português “sem Portugal”, de uma língua que os ajudasse a encontrar sua própria identidade. E Jorge Amado e os brasileiros lhes devolviam a fala num outro português, “mais açucarado, mais dançável, mais a jeito de ser nosso”.


Poderem sonhar em casa, Jorge Amado deu isso aos africanos. Na reflexão de Mia Couto, foi isso que fez Amado ser deles, africano, e lhes fez a eles serem brasileiros.


O escritor baiano Jorge Amado

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